"Palavras são, na minha nada humilde opinião, nossa inesgotável fonte de magia."
Dumbledore

sábado, 18 de outubro de 2014

Liberdade

A noite caia silenciosa. Tão silenciosa quanto o quarto dela. Sua mochila jazia em cima da cama abarrotada. Um sinal de que havia algo errado. Mas isso não era surpresa para ela. Afinal era ela que estava errada, fora do lugar. Porém, essa noite tudo iria mudar. E depois ela viveria o primeiro dia de sua vida.
Olhou para a sua nova eu refletida no espelho. Os cabelos, agora com uma tonalidade purpura, haviam sido cortados na altura do queixo. Passou a mão delicadamente por uma mecha rebelde pensando em como todos ao seu redor a desaprovariam por essa mudança. Como se ela realmente se importasse. Não, ela não se importava, não mais. O tempo a havia ensinado a não levar em consideração a opinião daqueles com quem era forçada a conviver.
Quis rir. Talvez fosse apenas desespero ou o corpo reagindo ao que estava para acontecer. Voltou a olhar o reflexo no espelho. O batom vermelho, as orelhas alargadas e repletas de brincos. A blusa preta deixando a mostra um ombro, mais do que isso, expondo a tatuagem que ela nunca teve permissão para fazer, mas fez. Um pássaro voando. No inicio, não tinha entendido porque aquela imagem a encantara. Agora, sabia. O desenho a lembrava que ela também era um pássaro e, assim como o animal, ansiava por liberdade. Lembrava-lhe as razões pelas quais estava fazendo tudo isso.
Continuou a analisar-se. Uma ultima vez. O shorts jeans, as pernas a mostra, o all star preto. Quem a visse na rua não imaginaria nada diferente de uma adolescente rebelde. Ninguém adivinharia tudo o que passou. Afinal, como poderiam? Ela tomou o cuidado de esconder todas as marcas. As cicatrizes estavam debaixo das pulseiras e das tatuagens. Os hematomas cobertos por maquiagem. O inchaço do choro disfarçado por traços delineadores. A tristeza disfarçada por um sorriso milimetricamente colocado nos lábios. Vestiu uma fantasia com a esperança de, um dia, não mais precisar dela.
Mais uma adolescente rebelde. Não, ela era bem mais que isso. Ela era uma sobrevivente. E pela primeira vez estava deixando de viver na inércia para lutar. Tornava-se uma guerreira. Afagou levemente o pulso, pensando em duas novas tatuagens "survivor" e "brave". Sim, Faria assim que estivesse estabilizada. Uma em cada pulso para lembra-la todo dia não apenas de sobreviver, mas de viver.
O barulho das portas fechando a tirou de seus devaneios. Todos estavam indo dormir. A casa mergulhava no breu, restando apenas a luz de seu quarto. Um ponto luminoso na noite negra. Uma noite vestida de luto em que nem a lua quis aparecer. Era sua chance, sua única chance. Seus olhos, involuntariamente, encheram-se de lágrimas. Estava na hora de dizer adeus a tudo que havia conhecido até então, estava na hora de tomar coragem e ir.
Arrumou a carta de alforria que havia preparado a dias. Ela libertava aqueles que a criavam por obrigação de continuarem a fingir que se preocupavam com ela. Nela estava escrito que a jovem partira. Nela estava o Adeus que não daria pessoalmente porque não havia sentimento para isso. Nunca houve amor, houve obrigação e interesse. E ela estava abrindo mal dessa vida. Ia atrás de amor próprio, de auto-confiança, de felicidade, de liberdade.
Abriu a janela. Colocou a mochila nas costas. Saltou. E foi embora


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